quinta-feira, 5 de março de 2015

Silva Campos: Santo Antonio de Campo Formoso


Imagem: http://www.estacoesferroviarias.com.br/ba_lbras/antonio.htm


Silenciosa, e triste e fria, pequena, pobre e desataviada, assenta sôbre a lomba de uma colina que se desarticula da serra do Alecrim, a cidade de Campo Formoso, antiga Freguezia Velha de Santo Antonio de Jacobina, erecta no afastado ano de 1682. Parece-me ter sido anteriormente uma aldeia de índios, missionada pêlos franciscanos.

Paiz ora alpestre, ora desdobrado em amplos e viridentes convales, regados por copiosas águas perenes, que descem dos abruptos pendores de montanhas altaneiras, entoando em surdina módulas tiranas, ou manam de extensos brejaes, a uberdade das suas terras é fantástica. O café, o algodão, a cana de assucar, os cereaes, as árvores de fruta, viçam com inaudito luxo de seiva. Madeiras preciosas revestem flancos umbrosos de colinas e montanhas, em extensões consideraveis. As pastagens pingues multiplicam-se por toda parte. 

Não é menos notavel a riqueza do subsolo do vasto município, um dos mais dilatados da Bahia. O ouro, o diamante, o carbonato, o cobre, o cristal de rocha e, por fim, quase todos os mineraes (p. 31) que a indústria moderna pode aproveitar, nele jazem em incrível abundancia. Dessa breve resenha isentei acinte o salitre, de que se poderiam exportar milhões de toneladas; tendo, porém, mais importancia na história de Campo Formoso, que na sua economia.

A variedade de animaes é digna de referencia, sendo que até o indesejavel jaguar se encontra ainda nas inaccessiveis grotas das serras ásperas, e a fauna venatória inscreve-se entre as mais fartas do sertão.

Um Eden. Mas a população é escassíssima, e, pois a lavoura e o creatório, - aqui vae um termo corrente no interior da Bahia, substituindo criação e pecuária, - embora proporcionalmente vultosos, não se manifestam por uma produção compativel com as possibilidades magnificas do solo.

Senhora dessa fabulosa opulencia em ser, a cidade de Campo Formoso, desapercebida no meio do explendor da sua gleba feraz, retrata exactamente a “Bela adormecida no bosque”, dos contos de fadas. Quando virá o “Príncipe Encantado”, que hade acordal-a para o fastígio do destino que merece?...

E, que dizer dos panoramas evocativos dessas estiradas plagas, dos seus longes que fazem sonhar, dos seus paineis empolgantes, em que o berilo dos prados sem fim e o cinzento das montanhas longinquas põem indizivel doçura na alma dos enamorados da natureza?

Por essas paragens dadivosas e ridentes celebrados aventureiros do sertão pergavaram, desde o século I da nossa história. Belchior Dias Caramurú, o inventor das minas de prata, devassou-as ali, si vera est fama, com o gentio tresmalhado da bandeira de seu inditoso parente Gabriel Soares de Souza, e o roteiro do seu peregrinoar pêlos abertos sertões verdes das Jacobinas Velha e Nova legou-o ao sobrinho, o segundo senhor da Tôrre, Francisco Dias d’Ávila. Ainda se mostram antigas escavações em galeria, que das ribas de dois córregos do município parecem se dirigir ao tão falado subterraneo dos Abreus, as quaes, muita gente assim supõe, assinalam o local das lendárias minas, (p. 32)

Errou por essas paragens aquele morgado da Tôrre; erraram seus descendentes, que possuiram a quase totalidade das terras da actual comuna campo formosense. Uma das fazendas ali fundadas por êles, há muito mais de dois séculos, o Escurial, guarda até hoje o primitivo nome que a gente audaz e insaciavel do absorvente feudo lhe deitou. E, dizem-me, até a primitiva casa que ergueram.

Erraram enviados da corôa portugueza, em busca do salitre descoberto na bacia do rio do mesmo nome, no ano de 1671, por um Bento Surreal. Até um encristado governador e capitão-general do Estado do Brazil, o senhor Dom João de Lencastro, acicateado por insistentes ordens do seu rei e amo, largou os próprios comodos na cidade do Salvador para varar, de ida e volta, passante de 150 léguas, através de inóspitos geraes, e de florestas sombrias transpassando rios e córregos, serranias e serrotes fragosos, atraz do nitro ambicionado por sua majestade para fabricar o camoneano “pú sufureo” que as suas armadas e os seus exércitos consumiriam. E, ainda a pesquizar minas, no tempo e por ordem do vice rei Vasco Cesar, trilhou esses desertos o experimentado sertanista coronel Pedro Barbosa Leal.

Por alturas do terceiro quartel do século em que o dito enviado de Vasco Cesar por ali andou, nas mesmas plagas residio, explorando ouro, o lendário Romão Gramacho, cujo nome corre de bôca em bôca, ligado a quanta jacencia aurífera existe, ou se supõe existir, no amplíssimo sertão formado pêlos municípios de Morro do Chapéu, Jacobina e Campo Formoso.

Em comêços do século XIX, um certo Simão Moreira, varejando taboleiros e grotas dêsses rincões, procurou as minas de prata na crença de achar-se nas pégadas de Belchior Dias, do qual talvez fosse parente.

Finalmente, nos nossos dias, extasiados ante as bellezas inéditas dos seus scenários de lenda, as curiosidades naturaes, multiplicadas e maravilhosas, que por ahi topou, as riquezas demarcadas que na província dos mineraes aos seus olhos de sábio se patentearam, divagou por essas plagas o notavel mineralogista e geólogo norte-americano, (p. 33) e grande amigo da terra brazileira, John Casper Branner.

Além de crescido número de sábios menores, de engenheiros, de peritos de minas, que têm perlustrado a comarca, sondando a possança das suas variadas e inesgotaveis jazidas.

Na bruma hiemal de friorenta manhã de maio, que sudarizava a cidadezinha num véo cinéreo, agravando-lhe a natural melancolia, embruscando-lhe os horizontes largos e ondulados, dirigi-me á matriz local, votada a Santo Antonio de Lisboa. Pesada construção, cujas paredes lembram antes muralhas de fortalezas, mas que interiormente não é das peores do sertão, e traindo na sua fábrica duas épocas bem diferenciadas, a frontaria branca da igreja destacava-se em deserta praça, de edifícios meticulosamente cerrados, na manhã merencórea e algente daquele dia de maio.

Imagem: https://caminhoformoso.wordpress.com/historico-conheca-o-retrato-de-campo-formoso/

A velha matriz e o novo templo de linhas modernas. Imagem: https://caminhoformoso.wordpress.com/historico-conheca-o-retrato-de-campo-formoso/


Está-lhe em frente implantado o cruzeiro, - uso corrente em quase todo o interior do paiz, - ao que adicionaram, em 1919, como se vê da placa nele afixada, por ocasião de umas santas missões, os instrumentos da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. No despretencioso frontispício, que olha o poente, acima da porta principal, abre-se um nicho envidraçado com descorada imagem do orago, em tôrno da qual corre a seguinte lenda na região.

Quando os avenureiros portuguezes, por alturas, do século de siscentos, chegaram ás terras que rodeiam a cidade de Campo Formoso, arrancharam-se em amena posição, onde resolveram estabelecer o centro irradiador das suas expedições á cata de ouro, erguendo logo tejupares e abrindo roças. Muitos determinaram-se a não mais abandonar o sítio, elegendo-o por definitiva morada, tão aprazível que lhes pareceu.

Então, consoante o arraigado espirito de religiosidade que ao tempo dominava, trataram paralelamente de erigir uma ermida, dedicada a Santo Antonio, cujo vulto um deles curiosamente transportava. 

Pronta a igrejinha, e colocada a imagem sôbre o tôsco altar, (p. 34) ao outro dia, pêla manhã, deram com a porta aberta. E a imagem havia desaparecido. Chovera. Da capela partiam pégadas de uma pessoa que se afastava. Rastrearam-nas, crentes de estarem seguindo a pista do ladrão do bento simulacro. Pois, que se tratava de um furto foi a hipótese logo por êles admitida.

Dali a umas duas léguas, exactamente no ponto onde se vê agora implantado o cruzeiro, em frente á matriz, deram, espantados, com a imagem posta na forquilha de um genipapeiro. Tomaram-na, com reverencia, e foram repol-a na ermida. Ao dia que se seguiu, pêla manhã, de novo havia-se sumido a imagem. Desconfiaram imediatamente achar-se o santo no lugar da véspera. Estava-o, de facto. Pêla segunda vez o reconduziram á ermida. Terceira fuga. Terceira recondução da imagem. Desta feita derribaram o pé de genipapeiro. O santo fugiu pêla quarta vez, e foram-no encontrar de pé, sôbre o tôco da árvore. Compreenderam, então, desejar Santo Antônio que a sua ermida fôsse ali. E assim o fizeram.

Pêlos tempos adentro, edificou-se a igreja que ora se vê, e por ser a imagem mui pequena, colocaram-na em o nicho citado, olhando o ponto onde frondejava o genipapeiro de sua predileção, substituido já pelo cruzeiro, e pondo outra imagem maior no altar do presbitério.

Segundo uma variante desta tradição, o local onde os aventureiros portuguezes se estabeleceram primeiramente, e de onde o santo fugiu para se engangorrar na forquilha, e se pôr sobre o tôco do pé de genipapeiro, foi onde está edificada a capela de Nossa Senhora do Burburi, na Gameleira, um quilómetro ao sul da cidade, pinturescamente ubicada em suave escosta da serra. Defronte da mencionada capela dizem, está enterrada grande porção de ouro, desde o tempo em que os bandeirantes por ali andaram, a qual em vão se tem procurado.

Imagem: http://ambientalcampoformso.blogspot.com.br/2013/07/o-processo-de-povoamento-e-civilizacao.html

Imagem: http://www.panoramio.com/photo/12043165


SILVA CAMPOS. João da. Santo Antonio de Campo Formoso. In: _____. Tradições Bahianas – Separata da Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia nº 56, 1930. Bahia: Secção Graphica da Escola de Aprendizes Artífices, 1930, p. 31-35.

http://www.cidade-brasil.com.br/foto-campo-formoso.html

http://falandotudo.com/index.php/rememorando-antigo-cine-santo-antonio-em-campo-formoso/

http://www.esmeraldanoticias.com.br/destaques/mocao-de-congratulacoes-a-nossa-querida-campo-formoso/

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